Tecnologia à parte, a única coisa não tão legal na DTM atual (cuja temporada 2012 começa nesse domingo, com Audi, BMW e Mercedes em campo) é o fato de que hoje seus bólidos não possuírem quase nada a ver com os carros de rua – conforme explica o Augusto Farfus nesse post.
Mas isso nem sempre foi assim. Muito pelo contrário.
A série 3 surgiu em 1975 para substituir o primeiro sedã realmente popular da BMW moderna, o 2002. Dois anos depois, o primeiro série 3 de competição foi feito para substituir outra lenda da marca – o 3.0 CLS – nas competições homologadas pelo regulamento do Grupo 5 da FIA.
Para contar essa história, é preciso primeiro lembrar de um dos grandes motores do automobilismo no século 20, o BMW M12.
O M12 foi uma evolução turbinada do motor M10 de quatro cilindros utilizado nos série 3 da década de 70, com duplo comando no cabeçote e quatro válvulas por cilindro. Enquanto no 320i o M10 desenvolvia 127 cavalos, nos monopostos de Fórmula 2 o M12 ultrapassava os 300 cavalos a mais de 10 mil rpm, e brigava de igual para igual com o Cosworth V8 DFV. Anos depois, os M12/13 aprimorados se estabeleceriam na Fórmula 1 – e mais do que isso, tornariam-se os mais potentes propulsores da história da categoria, com picos de 1.400 cavalos em qualificações, ajudando no título de Nelson Piquet pela Brabham em 1983.
Voltando ao série 3, os 320i Turbo equipados com os primeiros M12 se viciaram em vitórias nas provas de turismo da época. Com alívio de peso, rigidez torsional reforçada, largura aumentada e aerofólios nada discretos na frente e atrás, conquistaram o campeonato da DRM (a antecessora da DTM) em 1978. Abaixo, boas brigas entre o 320i, o Porsche 935 e o Ford Capri.
Um dos exemplares de corrida seria eternizado pela pintura do artista pop Roy Lichtenstein.
Quando a segunda geração do série 3 surgiu em 1982, sob o código E30, trouxe a reboque o primeiro M3, e foi ele que monopolizaria as atenções pelos próximos anos, tornando-se o mais bem-sucedido touring car da história. Na época, o regulamento do Grupo A da FIA exigia lotes de 5.000 unidades produzidas em série ao longo de doze meses corridos para homologar qualquer competidor, o que garantia que o carro das corridas fosse semelhante ao das ruas.
A BMW, por seu lado, decidiu que o novo competidor teria de ser aspirado, uma decisão que parecia arriscada tanto pelo predomínio do turbo na época, quanto pela vitoriosa receita sobrealimentada da divisão Motorsport até então. Deu certo.
O M3 E30 é até hoje um dos esportivos mais perfeitos e desejados, com um comportamento dinâmico irretocável – já falamos dele aqui nesseAchados meio Perdidos bem especial.
Seu motor era o S14, outra evolução do M10, um quatro-cilindros em linha com deslocamento aumentado de 2,0 para 2,3 litros, acoplado ao cabeçote multiválvulas recortado do motor M88 de seis cilindros que equipara o M1 e o 635CSi. Projetado em apenas duas semanas, produzia 195 cavalos a 8 mil rpm em sua configuração mais básica. A potência subia para mais de 300 cavalos nas versões de competição, e o resultado foi uma constelação de pódios mundo afora.
Só na DTM, o M3 E30 conquistou 40 vitórias e dois títulos em cinco temporadas. Faturou o título do WTCC (Mundial) em 1987, dois ETCC (Europeu) em 1987 e 1989, dois BTCC (Britânico) em 1988 e 1991, quatro campeonatos equivalentes na Itália entre 1987 e 1991, cinco vitórias gerais nas 24h de Nürburgring e quatro nas 24h de Spa.
Tem mais. Mesmo com tração traseira e aspiração natural, teve a coragem de peitar concorrentes de tração integral no Mundial de Rali. No off-road não houve milagre, mas em superfícies pavimentadas – como no perigoso Rali da Córsega, onde venceu em 1987 – ele deu show.
A elegante terceira geração E36 acabou espremida entre o sucesso do E30 e o fracasso da tentativa de internacionalizar o DTM em 1996, na forma do International Touring Car Series. Seu único triunfo de destaque nas pistas foram as 24h de Nürburgring, vencidas por um 320d movido à diesel que andava rápido e fazia menos pit-stops que os concorrentes.
O E36 M3 GTR, mais encorpado, teve destino melhor, mas igualmente conturbado. A motorização passou a ter os seis cilindros da série S50B30 preparado para produzir 325 cavalos. O carro havia sido preparado para disputar o DTM, mas com as mudanças de regras, acabou relegado ao ADAC GT Cup, um campeonato de nível FIA GT3 organizado pela federação alemã de automobilismo. Cumprindo sua obrigação, a BMW saiu dali com mais um título.
Quando a geração seguinte E46 surgiu em 1998, o foco dos bávaros mudou para o European Touring Car Championship e, posteriormente, para o WTCC. Os sedãs 320i com motores de seis cilindros em linha, 2,0 litros e quatro válvulas por cilindro passavam de 150 para 200 e até 250 cavalos. Andy Priaulx foi campeão do ETCC em 2004 e do WTCC em 2005 com o carro, contra uma oposição formada por Alfa 156 e Seat Cupra e León.
Enquanto isso, nos campeonatos de Gran Turismo que voltavam a ganhar destaque como a American Le Mans Series (ALMS), o M3 GTR E46 resolveu apostar num novo V8 aspirado de 4,0 litros e 500 cavalos para competir em igualdade de condições com os Porsche 996 GT3. Foi o primeiro M3 com motor V8, e o mais potente de todos os série 3 até então. A aerodinâmica recebeu vários aperfeiçoamentos, com frente rebaixada e asa traseira alongada, os eixos foram alargados e boa parte da lataria substituída por fibra de carbono.
Em sua primeira temporada no ALMS na categoria GT, o M3 GTR E46 venceu sete das dez etapas e ficou com o título. Na Europa, o carro conquistou duas vitórias gerais nas 24h de Nürburgring de 2004 e 2005 e uma vitória entre os GTs nas 24h de Spa em 2004.
O M3 continuou a encabeçar o departamento Motorsport durante a quinta geração da série 3. Os M3 GT2 E92 voltariam a colocar a BMW no topo do pódio das 24h de Nürburgring de 2010, assim como nas 12h de Sebring de 2011 e 2012, e permanecem na ativa em várias corridas de Gran Turismo mundo afora. Já os 320i da mesma geração mantiveram o predomínio da BMW no WTCC, vencendo os títulos de 2006 e 2007.
Para 2012, a BMW decidiu abandonar o WTCC e voltar à DTM depois de uma ausência de 20 anos. O chamado M3 DTM Concept é um carro 100% novo, com monocoque de fibra de carbono envolvendo uma estrutura de aço, motor V8 aspirado de 4,0 litros limitado a 480 cavalos pelos restritores de ar da categoria e muita tecnologia embarcada. Acelera de 0 a 100 kmh em três segundos, e ultrapassa os 300 km/h em plena marcha. É com um desses que o brasileiro Augusto Farfus vai tentar cravar seu nome nas pistas alemãs.